Destarte passaram-se os anos, entre festas ilusórias e constante fuga da realidade. Desde que me dei por gente, vivi desta forma, forma cultivada desde a infância. Não fui má pessoa, sempre que me procuravam eu tentava auxiliar, fosse um amigo, parente, um empregado, qualquer um de minhas relações.
Mas era só, auxiliar era fácil, pois tinha fortuna, teria que jogar dinheiro fora para lapidá-la, mesmo assim seria difícil pois as fazendas de gado para corte e de produção de leite sempre produziam riquezas que eu acumulava. Aliás poderia ter feito muito por muitos, gente que não era de minhas relações, mas que estavam ali bem debaixo de meu nariz.
É por isso que falo que vivi uma fuga da realidade, pois se tentava ser justo, se tentava auxiliar como disse acima, também não olhava o mundo real, não tentava saber como viviam quem não era de meu nível, não tentava levar o progresso às cidades onde minhas fazendas se localizavam, assinava cheques, abria o cofre e dava dinheiro aos padres e passava por benfeitor. Agora benefício mesmo onde eu participasse diretamente não, mantinha-me distante do povo. Acreditava que havia uma linha invisível divisória entre o povo e eu.
Uma vida voltada para futilidades, arrastei comigo, como meus pais comigo fizeram, minha esposa tornando-a frívola, pois eu incentivava e participava de seus caprichos, também arrastei meus dois filhos, um rapaz e uma moça fazendo-os pensar que éramos privilegiados, pertencíamos a nata da sociedade e a nata não se mistura.
Assim apesar dos chamados da vida, que eu não reconhecia como chamados, entrei na velhice precoce devido a tantos desmandos em festas, noitadas. Aos cinquenta e cinco anos, já estava preso ao leito e minha esposa enfadada por ter que se prender ao meu leito, logo cansou-se e contratou uma enfermeira. Os filhos, que moravam em nossa casa, mais do que depressa ao verem que o derrame me impossibilitaria de me levantar um dia, com pretextos viajavam muito para a Europa, permanecendo meses a fio longe, quando voltavam o máximo era entrarem em meus aposentos e me beijarem a testa, a esposa mudou-se para um dos quartos de hóspedes com a desculpa que assim a enfermeira me cuidaria mais a vontade e desta forma vinha pela manhã por poucos minutos e a tardinha antes de se arrumar para suas festas.
Eu ali, por três anos, aguardando a morte que não chegava, pensava em meus pais que na doença se recolheram a uma das fazendas, mas eu pelo menos passava um mês todo com eles e o outro vinha pra Capital, amava muito meus pais e apesar de minha frivolidade o amor por eles falou mais alto sempre.
Tive tempo para me analisar, primeiro me revoltei, mas durou uns dois meses, depois me acalmei e comecei a me analisar bem devagar, ligava cada ato de desamor dos meninos e da esposa a forma que eu os ensinei a viver, fugindo da realidade do mundo, então eu não podia reclamar, eles não tinham aberto as portas da alma para acolher o sofrimento humano.
A boa enfermeira começou a ler para mim, livros de amor, história de altruísmo e um dia me apareceu com um livro psicografado, eu pouco falava, mas entendia tudo, não andava devido a paralisia da cintura para baixo, era da cama para cadeira de rodas de onde me transferiam para uma poltrona próxima a janela.
Bem o tal livro era do querido Chico Xavier que eu nunca tinha ouvido falar, mas amei a história, era Paulo e Estevão, em seguida me trouxe há Dois mil anos e logo Nosso lar, Cinquenta anos Depois, Renuncia e Ave Cristo, estávamos ainda lendo quando desencarnei. E no meio disso tudo, todo dia antes de dormir um pouquinho de leitura do Evangelho Segundo o Espiritismo. Minha esposa achava tudo um conto de ilusões, mas percebeu que eu gostava, que estava mais calmo e até tirava o livro da mão da enfermeira e lia sozinho, enquanto ela lia outro, pena que por não falar e conseguir escrever pouco não conseguiamos trocar muitas impressões, então a enfermeira me falava a sua opinião e era maravilhoso.
De início de 1950 a final de 1953 ela promoveu minha evangelização e reforma íntima, mas também nasceu o sentimento de remorso e eu escrevia para ela : Culpa, culpa, fui omisso, sou culpado. Isso durou um bom tempo, de vez enquanto chorava e ela orava. Por fim, com algum sacrifício escrevi uma carta aos filhos e esposa dizendo tudo que sentia a respeito de minha frívola vida e de como Cristo esperava que eu fizesse e não fiz.
Desencarnei, fui recebido, devido à Misericórdia Divina, pelos irmãos socorristas, pois se não tinha créditos também não fizera grandes débitos e meu arrependimento sincero foi levado em consideração. Pelos familiares fui dado como fora de minhas faculdades mentais depois de lerem a minha carta.
Sempre soube que se eu pude obter qualquer transformação foi graças à enfermeira, pela qual eu sentia um imenso amor e sinto até hoje, descobri com o tempo que há muitos séculos andamos nos encontrando, como mãe e filho, como irmãos e até como esposa, porque nada é acaso nem aqui nem aí na Terra. Ainda tento alcançar a esfera a qual ela pertence, sempre está um passo a minha frente, mas mesmo assim trabalhamos juntos, são trabalhos interligados de auxílio e evangelização de desencarnados e encarnados.
Em breve voltarei a Terra, serei pai de meus filhos e esposa, a bondosa enfermeira será minha esposa e meus pais serão os mesmos, mas hoje na Terra são devotados soldados de Cristo, vivendo hoje na terra com alguma dificuldade financeira.
Bem, hoje eu vim aqui trazer meu relato, como em 1953 deixei aos meus que me julgaram louco, deixo este a todo irmão que aqui vier, com o único intuito de lhes falar: não sejam o que fui, sejam para os outros o que a boa enfermeira foi para mim e para tantos que passaram por ela naquela vida.
Não deixo meu nome, porque muito conhecido fui, meus filhos já estão aqui há algum tempo, mas meus netos na Terra ainda estão e não quero causar-lhes nenhum embaraço.
Não direi até breve, por que em breve na Terra estarei, direi apenas Que Cristo esteja com todos e todos saibam disso.
ditado por um aprendiz
psicografado por Luconi
em 04-01-2018
Que importante e revelador relato esse.Beleza e que tiremos os exemplos ...beijos praianos,chica
ResponderExcluirSe não fosse pelo desfecho legal, eu queria que o personagem fosse Temer rsrsr Brincadeira, só pra desolpilar o fígado.
ResponderExcluirComo sempre trazendo belos relatos, parabéns, Márcia.